Proceedings do VII SIMCOPE. Inst. Pesca, São Paulo,
QUALIDADE NUTRICIONAL, MICROSCÓPICA E SANITÁRIA DE
“FARINHA” DE PIRACUÍ COMERCIALIZADA EM BELÉM – PA
Mayara Lima Ribeiro RODRIGUES
1
, Edivaldo Sampaio de ALMEIDA-FILHO
2
,
Luciana Kimie SAVAY-DA-SILVA
1
*
Artigo Cientíco: Recebido em 17/04/2017; Aprovado em 28/07/2017
1
Departamento de Alimentos e Nutrição, Faculdade de Nutrição, Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT)
*E-mail: lukimie@gmail.com
2
Faculdade de Medicina Veterinária, Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Av. Fernando Corrêa da Costa, 2367, Boa
Esperança, 78060-900, Cuiabá, MT. Tel. (65) 3615-8596
NUTRITION, MICROSCOPIC AND SANITARY QUALITY OF PIRACUÍ “FLOUR”
MARKETED IN BELÉM - PA
ABSTRACT
This work aimed to evaluate the physical-chemical, sanitary and sensorial quality of the piracuí
“our” commercialized in Belém city-PA, Brazil. The analyzes were: centesimal composition,
macroscopic and microscopic foreign matter, water activity (Aw), energetic value, microbiological
and sensorial analyzes, and purchase intention. The piracuí evaluated presented high protein
value (66.90 to 69.80g.100g
-1
); lipid content between 8.62 and 8.91g.100g
-1
; low humidity (17.85
to 18.82g.100g
-1
) and Aw (0.6446 to 0.6467); and energy value between 341.06 and 356.74 Kcal.
Microbiological analyzes showed that the hygienic-sanitary conditions were unsatisfactory
during the production of this product, because the counts of Sthaphylococcus coagulase positive
and mesophilic extrapolated the maximum limits tolerated by legislation and literature. The
evaluation of the physical contaminants showed a high concentration of contaminants, with
the presence of insect fragment, conch shell, vegetables and vertebrae of more than one species
of sh. In the sensory evaluation, 89.29% of the participants said they didn’t know about this
product. This product didn´t have good acceptance, because in none of the evaluated attributes
the scores reached 70% acceptance rate. It was concluded that the samples evaluated presented
high nutritional quality, unsatisfactory hygienic-sanitary conditions and considerable presence of
physical contaminants, which represents a potential danger for the consumer.
Key words: sh protein concentrate; food safety; physical contaminants; Slow food.
RESUMO
Este trabalho objetivou avaliar a qualidade físico-química, sanitária e sensorial da “farinha” de
piracuí comercializada na cidade de Belém-PA, Brasil. As análises realizadas foram: composição
centesimal, matérias estranhas macroscópicas e microscópicas, atividade de água (Aw), valor
energético, análises microbiológicas, sensorial e de intenção de compra. O piracuí avaliado
apresentou alto valor proteico (66,90 a 69,80g.100g
-1
); teor de lipídeos entre 8,62 e 8,91g.100g
-1
;
baixa umidade (17,85 a 18,82g.100g
-1
) e Aw (0,6446 a 0,6467); e valor energético entre 341,06 e 356,74
Kcal. As análises microbiológicas demonstraram que na produção desse produto as condições
higiênico-sanitárias foram insatisfatórias, pois as contagens de Sthaphylococcus coagulase positiva
e mesólos extrapolaram os limites máximos tolerados pela legislação e literatura. A avaliação
dos contaminantes físicos demonstrou alta concentração de contaminantes, com presença de
fragmento de inseto, concha de caramujo, vegetais e vértebras de mais de uma espécie de peixe.
Na avaliação sensorial, 89,29% dos participantes disseram não conhecer esse produto e o mesmo
não teve boa aceitação, pois em nenhum dos atributos avaliados as notas atingiram 70% de índice
de aceitação. Conclui-se que as amostras avaliadas apresentaram qualidade nutricional elevada,
condições higiênico-sanitárias insatisfatórias e considerável presença de contaminantes físicos, o
que representa potencial perigo para o consumidor.
Palavras-chave: concentrado proteico de pescado; segurança alimentar; contaminantes físicos; slow
food.
RODRIGUES et al.
Proceedings do VII SIMCOPE. Inst. Pesca, São Paulo
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INTRODUÇÃO
O Concentrado Proteico de Pescado (CPP) tem
como requisitos básicos: baixo custo de produção,
baixo teor de gordura e umidade, facilidade de
estocagem, não necessitar de refrigeração e elevada
vida útil (SOUZA, 2010). Um produto que se
assemelha ao CPP é o piracuí. Produto regional e de
origem indígena secular, seu consumo é regular até
os dias de hoje na região norte do Brasil. Apresenta
pontos positivos, quando comparado com o CPP
tradicional, o que valoriza seu emprego local e
alternativo em dietas especiais e em programas de
suplementação alimentar (ALMEIDA, 2009). Foi
desenvolvido como uma alternativa econômica e
nutricional ao aproveitamento do excesso de pescado
fresco de baixo valor comercial, que mantém as
características nutricionais essenciais à alimentação
humana por um longo período de tempo (SANTOS
e FREITAS, 2004). Piracuí como o próprio nome
revela, é uma “farinha” feita de peixe (do tupi: pira=
peixe|cuí = farinha), que é produzida, geralmente
a partir do beneficiamento da espécie acari-bodó
(Lipossarcus pardalis) (FERNANDES e MONTEIRO,
2001). Para a produção do piracuí, os peixes são
cozidos ou assados, separando a carne da carcaça,
espinhas e placas ósseas. A carne separada é torrada
e homogeneizada continuamente sobre o fogo a lenha.
Durante o aquecimento a massa do peixe recebe sal
e as iscas (placas ósseas) menores são retiradas. O
produto nal, de textura semelhante a uma farinha,
é resfriado naturalmente e embalado (SLOW FOOD,
2007). A “farinha” de piracuí é um dos produtos
brasileiros que integra a Arca do Gosto, um catálogo
mundial que identica, localiza, descreve e divulga
sabores quase esquecidos de produtos ameaçados de
extinção, mas ainda vivos, com potenciais produtivos
e comerciais reais. O objetivo da arca é documentar
produtos gastronômicos especiais, que estão em risco
de desaparecer (MILANO et al., 2016). A Arca do
Gosto faz parte do movimento Slow food, que tem como
princípio básico o direito à alimentação, utilizando
produtos artesanais de qualidade especial, produzidos
de forma que respeite tanto o meio ambiente quanto
as pessoas responsáveis pela produção. O Slow food
se opõe à tendência de padronização do alimento
no mundo, e defende a necessidade de que os
consumidores estejam bem informados, se tornando
coprodutores (SLOW FOOD, 2007). O piracuí, embora
seja um produto que apresente as vantagens de alta
concentração de proteínas e uma vida de prateleira
consideravelmente alta, não tem qualquer tipo de
padronização ou mesmo está previsto na legislação
brasileira, mesmo sendo um produto de regular
consumo na região Norte do Brasil. Além disso,
uma escassez de trabalhos cientícos sobre esse
produto, os que existem são incompletos ou com
poucas informações. Sendo assim, não dados
consistentes e pertinentes para se estabelecer uma
padronização ou mesmo uma denição legal sobre
o piracuí. Dessa forma, sua caracterização faz-se
necessária para garantir a produção desse alimento
de forma segura, ou seja, livre de contaminantes que
possam causar prejuízo à saúde do consumidor. Assim
como, é uma oportunidade de divulgar o mesmo para
outras regiões do país.
Diante disso, este trabalho teve como objetivo
avaliar a qualidade físico-química, sanitária e sensorial
da “farinha” de piracuí comercializada na cidade de
Belém-PA, Brasil.
MATERIAL E MÉTODOS
Foram avaliadas três amostras de piracuí (A1, A2
e A3) provenientes da cidade de Belém-PA, Brasil,
comercializadas em supermercado local em bandejas
de isopor cobertas com lme plástico. Cada amostra
foi composta por duas bandejas de peso médio de
250g cada. As amostras foram avaliadas segundo
suas características: físico-químicas, microbiológicas
e sensoriais, conforme descrito a seguir.
Análises físico-químicas
Para cada amostra avaliada (n = 3), as análises
foram realizadas em 03 réplicas, sem secagem
prévia das amostras e os valores expressos em
base úmida. A saber, foram realizadas as seguintes
análises: a) composição centesimal: umidade,
através da determinação de peso perdido pela
amostra em estufa a 105°C até o peso constante;
lipídeos totais, através do método de Soxhlet
utilizando como extrator o solvente éter de petróleo
(PREGNOLATTO e PREGNOLATTO, 1985); proteína
bruta, obtida pela determinação de nitrogênio total
pelo método de Micro Kjeldahl e conversão em
proteínas multiplicando-se o valor obtido pelo fator
de 6,25 (JOHNSON e ULRICH, 1974); cinza, através
da calcinação da matéria orgânica em forno mua a
550°C até obtenção de cor branca (PREGNOLATTO
e PREGNOLATTO, 1985; WINTERS e TENNYSON,
2005) e teor de carboidratos, obtido através de cálculo
Proceedings do VII SIMCOPE. Inst. Pesca, São Paulo,
Qualidade nutricional, microscópica e sanitária de “farinha” de piracuí...
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de diferença, subtraindo-se de 100 os valores de
lipídeo
s, proteínas, cinza e umidade (BRASIL, 2001a); b)
valor energético total: foi estimado, considerando-se os
fatores de conversão de Atwater de 4 kcal.g
-1
de proteína,
4 kcal.g
-1
de carboidrato e 9 kcal.g
-1
de lipídeo (WATT
e MERRIL, 1963); c) atividade de água: utilizando-se
o equipamento TEXTO 65°, conforme instrução do
fabricante; d) avaliação de contaminantes físicos ou
matérias estranhas: para pesquisa de matérias estranhas
macroscópicas foram pesados 100g das amostras e
peneiradas em tamises de diferentes mesh (10, 16 e 28).
Em seguida a amostra retida na tamise foi pesada, e
os fragmentos contados. E para pesquisa de matérias
estranhas microscópica pesaram-se 20 g das amostras e
transferidas para a armadilha de Wildman com 1 mL de
óleo e 2000 mL de água destilada, deixados em repouso
por 2 horas. Depois o conteúdo retido na camada oleosa
foi ltrado a vácuo, em papel de ltro de ltração rápida
que após a ltração foram colocados em vidro relógio e
examinados em microscópio estereoscópico, e o material
não identicado foi colocado entra lâmina e lamínula com
água e examinado ao microscópio óptico (BEUX, 1992).
Análises microbiológicas
As análises microbiológicas realizadas foram as
recomendadas para o pescado seco e/ou salgado pela
RDC 12 de 2 de janeiro de 2001 (BRASIL, 2001b):
contagens de Staphylococcus coagulase positiva,
coliformes termotolerantes (45°C) e presença de
Salmonella spp. Além dessas análises também foram
realizadas contagens de Escherichia coli, aeróbios
mesólos totais e bolores e leveduras (SILVA et al., 2007).
Análise sensorial
Foi realizada com a colaboração de 56 pessoas
que transitavam pela Universidade Federal de Mato
Grosso (UFMT), campus Cuiabá, e que participaram
voluntariamente do teste (Protocolo Comitê de Ética:
CAAE 31657714.1.0000.554). A avaliação foi realizada
através de um teste afetivo de aceitação, com utilização
de uma escala hedônica estruturada de nove pontos,
variando de “gostei muitíssimo” (nota 9) à “desgostei
muitíssimo” (nota 1) (FARIA e YOUTSUYANAGI,
2008). As amostras foram apresentadas ao avaliador in
natura, em pratos plásticos descartáveis de cor branca,
numerados com código de três dígitos aleatórios. E os
atributos avaliados foram cor, aroma, odor de ranço, e
a aparência global. Além disso, foi avaliada a intenção
de compra dos provadores, utilizando-se uma escala
hedônica estruturada de 5 pontos variando de “sim,
com certeza” (nota 5) a “não com certeza” (nota 1). E
também foi questionado aos provadores o que eles
“mais gostaram” e o que eles “mais desgostaram” nas
amostras avaliadas. Na mesma cha, foram requeridas
informações dos provadores referentes ao seu sexo,
idade, escolaridade, prossão, faixa de remuneração
mensal e frequência de consumo de carne de pescado.
Análise estatística
Os dados da composição centesimal, Aw e valor
energético total, foram submetidos à análise de
variância ANOVA de uma via, e posteriormente,
ao teste de Tukey para comparações múltiplas das
médias com nível de significância previamente
estabelecido em 5% (p<0,05). Para isso, foi utilizado
o software estatístico Sigma 3.5. Para os resultados da
avaliação microbiológica, dos contaminantes físicos
ou matérias estranhas e análise sensorial realizou-se
uma análise descritiva da distribuição dos dados.
RESULTADOS
Análises físico-químicas
A Tabela 1 apresenta os resultados médios
obtidos nas análises de determinação da composição
centesimal e valor calórico das amostras de “farinha”
de piracuí avaliadas. Em todas as amostras foram
encontrados valores não signicativos (n.s) para
avaliação de carboidratos. Observa-se que, para todas
as amostras avaliadas, os valores médios apresentados
para as análises de umidade e valor calórico
(valor energético total), foram estatisticamente
diferentes, enquanto os apresentados para o teor
de lipídeos e cinza não. Para proteína, apenas o
valor médio apresentado para amostra A3, diferiu
estatisticamente das demais. Os resultados médios
obtidos para atividade de água e os resultados das
análises macroscópicas estão apresentados na Tabela
2. Verica-se que não houve diferença estatística,
(p<0,05), entre os valores médios apresentados pelas
amostras para análise de Aw.
A Figura 1 ilustra os
fragmentos de vértebras e espinhos encontrados nas
diferentes amostras avaliadas, e também seus diferentes
formatos e tamanhos.
Com relação aos contaminantes
microscópicos, os principais encontrados foram:
concha de caramujo, um fragmento que se supõe ser
de rede de pesca, pedaço de vegetal e fragmento de
inseto, como pode ser observado na Figura 2.
Análises microbiológicas
Na Tabela 3, apresentam-se os resultados das
análises microbiológicas realizadas nas amostras de
“farinha” de piracuí.
RODRIGUES et al.
Proceedings do VII SIMCOPE. Inst. Pesca, São Paulo
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Amostra Umidade (g.100g
-1
) Proteína (g.100g
-1
)
Lipídeo
(g.100g
-1
)
Cinza (g.100g
-1
)
Valor calórico
(Kcal)
A1
18,28±0,2123
a
66,90±0,5016
a
8,91±0,2099
a
8,77±0,1569
a
347,77±2,6772
a
A2
18,82±0,1021
b
65,93±0,9590
a
8,60±0,3008
a
8,87±0,0713
a
341,06±1,1410
b
A3
17,85±0,0216
c
69,80±0,5450
c
8,62±0,1585
a
8,95±0,1002
a
356,74±2,8217
c
Valores seguidos por letras iguais, na mesma coluna, não diferem estatisticamente entre si a 5% pelo teste de
Tukey. Entretanto, valores seguidos de letras diferentes, diferem. Proteína: p=0,001; lipídeos: p=0,259; cinza:
p=0,232; valor calórico: p<0,001.
Tabela 1. Valores médios de composição centesimal e valor calórico desvio padrão) de diferentes amostras de
“farinha” de piracuí, comercializadas na cidade de Belém-PA.
Amostra Aw Peso dos contam. físicos.100g
-1
Quantidade de contam. físicos.100g
-1
A1 0,6467
a
(±0,0016) 8,37g 230 unidades
A2 0,6463
a
(±0,0029) 9,68g 217 unidades
A3 0,6446
a
(±0,0028) 9,17g 207 unidades
Contam. = contaminantes. Valores seguidos por letras iguais, na mesma coluna, não diferem estatisticamente entre
si a 5% pelo teste de Tukey. Entretanto, valores seguidos por letras diferentes, diferem. Aw: p=0,597.
Tabela 2. Valores médios da Aw desvio padrão) e contagem de contaminantes físicos macroscópicos (g e
unidades.100g
-1
) encontrados em diferentes amostras de “farinha” de piracuí, comercializadas na cidade de Belém-PA.
Figura 1. Diferentes vértebras (a, b) e tamanhos de espinhos encontrados (c, d) em amostras de “farinha” de piracuí
comercializadas na cidade de Belém-PA.
Micro-organismo
A1 A2 A3
Mesólos 6,38logUFC.g
-1
6,51logUFC.g
-1
6,48logUFC.g
-1
Coliformes Termotolerantes <3,0 NMP.g
-1
<3,0 NMP.g
-1
<3,0 NMP.g
-1
Escherichia coli
<3,0 NMP.g
-1
<3,0 NMP.g
-1
<3,0 NMP.g
-1
Staphylococcus coagulase positiva 3,93logUFC.g
-1
4,11logUFC.g
-1
3,82logUFC.g
-1
Salmonella spp. Ausente em 25g Ausente em 25g Ausente em 25g
Bolores e Leveduras <10 UFC.g
-1
<10 UFC.g
-1
<10 UFC.g
-1
Tabela 3. Resultados das análises microbiológicas realizadas nos diferentes lotes de “farinha” de piracuí,
comercializados na cidade de Belém-PA.