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Sobre o Homem e a pesca: Culturas litorâneas ligadas à pesca

No Brasil, a formação das culturas litorâneas e marítimas está ligada ao processo de construção do modo de vida das camadas populares. Estes grupos, geralmente de baixa escolaridade, detinham um saber-fazer ligado pela transmissão cultural, adaptação, experiência individual e convivência entre os pares. Distinguiam-se marcadamente de outros setores produtivos, tendo uma noção de trabalho própria, muito integrada ao meio ambiente, muito rústica e resistente à modernização e com um ritmo produtivo dependente da natureza. Assim, a sazonalidade da atividade impõe a alternância de períodos de baixa atividade com períodos de trabalho intenso e por causa desta característica, os trabalhadores do mar levam muitas vezes e injustamente o julgamento de preguiçosos ou sem ambição. 

Além disso, desde a sua origem e ainda hoje, esses grupos não apresentam entre si culturas e modos de vida uniformes. Há, ao longo do litoral brasileiro, distintas culturas litorâneas, que ainda preservam os seus costumes e conhecimentos e que fazem parte da riqueza cultural do país. 

A formação dessas culturas se deu entre os séculos XVII e XIX, tendo sofrido mudanças importantes no século XX, a partir da década de 1920. 

 

Jangadeiros 

Os jangadeiros são os pescadores marítimos da região Nordeste, particularmente do Estado de Pernambuco, que tiveram a sua cultura influenciada pelos índios, escravos e portugueses no ciclo da cana de açúcar.

Entre 1550 e 1660, o Nordeste foi o maior produtor mundial de açúcar e os indígenas foram os primeiros trabalhadores dos engenhos, sendo impostas a eles inúmeras tarefas, entre elas a pesca. A alta mortalidade dos índios motivou o tráfco de escravos africanos para os serviços ligados aos engenhos e no iní- cio do século XVII, os escravos se tornaram maioria na produção açucareira, sendo também incorporados a outras atividades. 

Muitos desses escravos provinham de nações de exí- mios pescadores da costa africana, participando inclusive de uma pesca marítima comercial, voltada ao abastecimento dos navegadores do movimento expansionista europeu. Neste contexto, os antigos pescadores, transformados em escravos, mesclaram os conhecimentos que traziam da pesca na costa africana aos instrumentos e embarcações de origem indí- gena e europeia, aplicando-os ao meio marítimo do Nordeste brasileiro. Essa matriz deu origem ao jangadeiro que ainda hoje existe na região. 

A partir de 1610, a pesca dos jangadeiros passou a ser a principal atividade do setor pesqueiro em Pernambuco. A embarcação utilizada, a jangada, é o principal símbolo desta cultura e tem origem indígena, tendo sido incrementada com artefatos portugueses, como vela, remo e banco do mestre. Com a abolição da escravatura, os pescadores escravos se tornaram os pescadores livres e libertos.

Os jangadeiros também trabalhavam com os currais fxos de pesca, arte trazida pelos portugueses, que estava associada aos coqueirais, vinculando a propriedade dos currais à da terra frme. Os escravos libertos tornaram-se arrendatários dos coqueirais e dos currais de pesca, favorecendo a instalação de grupamentos que viriam a ser as comunidades marítimas do Nordeste. 

Tais comunidades mantiveram vivos vários costumes, como a festa de São Pedro, a religiosidade, os instrumentos de percussão e as danças afro-brasileiras. 

 

Açorianos

A cultura açoriana foi engendrada na região Sul do país, por meio do processo de fixação de vicentistas (bandeiras provenientes da Capitania de São Vicente) no litoral catarinense e foi incrementada durante a fase da colonização açoriana-madeirense concentrada notadamente na ilha de Santa Catarina e imediações.

Os açorianos eram, em princípio, muito ligados à atividade agrícola, uma sociedade agrário-pesqueira de regime familiar. Porém, a partir das décadas de 1940 e 1950, começou a se acentuar a evasão das atividades agrícolas litorâneas para a pesca, motivada por problemas como o esgotamento de solos, ocorrência de pragas e a competição com produtos agrícolas vindos do interior.

Como uma das pescarias mais características e primárias desta cultura, os grandes arrastões de praia empregavam até vinte camaradas ou mais. Durante a faina de pesca, os proprietários de redes eram representados pelos patrões de pesca e mestres de redes, que organizavam o lance e a puxada de rede na praia. Esta pescaria dizimou grande parte dos cardumes próximos a praia, deixando a pesca pouco rentável. Em razão deste impacto, a atividade se deslocou para o Rio Grande do Sul, surgindo as “parelhas de pesca”, com grupos de mais de 20 pescadores em cada parelha.

A pesca açoriana era inicialmente de pequena monta, tendo assumido uma importância comercial maior à partir das primeiras décadas do século XX. Um exemplo é o caso da pesca da sardinha, realizada por barcos que usavam uma grande rede de cerco de meia água, chamada de traina (origem do nome atual das “traineiras”).

Ao longo do tempo, a atividade pesqueira nessas regiões tornou-se cada vez mais industrializada, com a entrada de grandes embarcações, havendo a mudança de regime de pesca de familiar para patronal. Embora a maior parcela da atividade tenha se convertido em pesca industrial, ainda são encontrados, em alguns poucos locais, regimes familiares de pesca, ainda próximos aos costumes originais dos antigos pescadores açorianos.

Conheça mais sobre o Instituto de Pesca, acessando ao site www.pesca.sp.gov.br. Criado em 8 de abril de 1969, desenvolve pesquisas sobre ecossistemas aquáticos; biologia, pesca e aquicultura de organismos marinhos e continentais e tecnologia de processamento de pescados.

 

Autores: 
Sergio Luiz Tutui é Pesquisador Científco no Instituto de Pesca e Doutor em Zoologia pela UNESP. Especialista em Gestão Pesqueira pelo Instituto de Pesquisa Pesqueira da Provincia de Mie/Japão. Com trabalhos na área de Recursos Pesqueiros, Dinâmica da Atividade e Ecologia de peixes marinhos.


Ingrid Cabral Machado é Pesquisadora Científica no Instituto de Pesca e Doutora em Ciências pela UFSCar, com trabalhos na área de Ecologia Humana e Etnoecologia pesqueira. 

 

Fonte: Jornal Nippak (Dez/2016)


Culturas pesqueiras em São Paulo
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