O Instituto de Pesca (IP-Apta), da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, desenvolve projetos de pesquisa junto a aquários e oceanários que mantêm tubarões e raias em seus recintos. A possibilidade de se trabalhar com os animais vivos abre espaço para se aprender e entender as características fisiológicas e comportamentais de cada espécie, levando ao aprimoramento dos ambientes e sistemas de suporte a vida em que são mantidos.
“No panorama geral, a maior parte da pesquisa com elasmobrânquios (tubarões, raias e quimeras) existente se apoia em animais mortos ou partes deles”, diz o pesquisador do IP Venâncio Guedes de Azevedo, explicando que se tratam de indivíduos capturados pela atividade pesqueira ou pertencentes a coleções de universidades. Apesar de muito importante, conta o especialista, este modo de pesquisa apresenta limitações. “Tendo trabalhado um bom tempo apenas com animais já sem vida, vi a oportunidade de estudá-los em cativeiro (ou ex-situ). Nesse cenário, você tem praticamente um laboratório para trabalhar com eles, podendo replicar experimentos, inclusive com o mesmo plantel, e ter boa acurácia de seus resultados”, pontua Azevedo.
Segundo o pesquisador do IP, dentre as possibilidades de pesquisa com animais ex-situ, destaca-se a reprodução das espécies. “Há casos bem interessantes em que foi possível fazer a reprodução desses animais em cativeiro - algo que, por anos, parte dos cientistas da área considerava impossível”, ressalta o especialista. Ele cita o exemplo de um casal de raias ticonha (Rhinoptera bonasus) que acompanhou por 22 anos em um aquário de SP, tendo se reproduzido por 4 vezes.
Em um outro projeto lembrado por Azevedo, o IP desenvolveu um estudo sobre anestésicos adequados para o manejo de elasmobrânquios. “Analisamos qual seria o tipo e a dosagem ideal em função do peso do animal e qual a janela de tempo que existiria para podermos trabalhar com segurança tanto para o animal quanto para o pesquisador”, informa o especialista. Como explica, esse tipo de conhecimento é crucial para a retirada de amostras e realização de estudos sanguíneos, sorológicos, entre outros, que trazem informações úteis - e por vezes inéditas - sobre essas espécies. “Por exemplo, para saber se o animal está anêmico é preciso que exista uma série de estudos sanguíneos que digam qual é o padrão para aquela espécie em particular”, elucida o pesquisador do IP. “É uma importante ferramenta, inclusive para que esses empreendimentos possam cuidar cada vez melhor desses animais”.
Ele conta que se uniu a diversos outros especialistas que estudam o tema para construírem uma rede de colaboração entre os empreendimentos que mantém elasmobrânquios sob seus cuidados. A partir desses esforços, empreenderam o ambicioso projeto de estabelecer um censo de raias e tubarões mantidos em aquários no Brasil. Uma primeira versão foi divulgada à comunidade científica entre 2016/2017, sendo atualizada nos dois biênios seguintes. “É muito interessante podermos saber o quanto, de qual espécie, de quais sexos temos”, exalta o pesquisador do IP, pontuando que mesmo países europeus e os EUA não possuem levantamentos tão precisos. “Apresentamos um trabalho em 2018 num congresso internacional e chamou muito a atenção de pesquisadores estrangeiros”, relembra.
Como fruto dos bons resultados obtidos, a equipe passou a integrar o Censo Internacional de Elasmobrânquios sob Cuidados Humanos, do qual Azevedo é coordenador para a América do Sul. “É um ambiente de troca muito rico e você vê que uma série de problemas de manejo dos animais que existem em um local também são encontrados em outros. As pessoas vão conversando e levantando ideias sobre como lidar com estas questões”, detalha. O especialista cita um caso recente em que se reuniu com pesquisadores da Argentina e Uruguai para tratar da conservação do tubarão mangona (Carcharias taurus). “Agora temos uma rede formada com o pessoal desses países para trocar experiências e também melhorar as condições de vida daqueles animais que estão em cativeiro”, comemora Azevedo.
O especialista conta que, uma vez catalogados os exemplares existentes sob cuidados humanos, o próximo passo é a coleta de amostras e elaboração de um banco de informações genéticas sobre eles. “Queremos ter um banco de referência das espécies para podermos, primeiramente, ter certeza quanto à identificação de cada animal e, depois, para sabermos, por exemplo, quais indivíduos estão relacionados entre si, quais são da mesma linhagem”, pormenoriza o pesquisador do IP. Outra possibilidade é comparar amostras de animais de vida livre e de animais de cativeiro, com intuito de se descobrir a área de proveniência destes. “As ferramentas genéticas também nos permitem avaliar se as condições de vida do animal, em termos de sistema de suporte à vida, são adequadas para a espécie”, finaliza Azevedo.
Fonte: Página Rural, 15 julho 2021 (https://www.paginarural.com.br/noticia/290995/coronavirus-instituto-de-pesca-realiza-pesquisa-com-tubaroes-e-raias-em-cativeiro-diz-saa)